Como assim? Alto lá! Isso não está certo mesmo. Claro que você não sou eu. Ou melhor ainda, eu não sou você.
Ela dizia à imagem refletida naquele pequeno fragmento de espelho. Naquele contexto irreal, parecia que a imagem travava uma conversa com ela.
“Lógico que não. Sou apenas uma imagem.”
Ah, sim. Mas não deveria ser a “minha” imagem? A imagem de mim?
Não se conformava com a imagem que via. Era totalmente o avesso do que era. Seus olhos não eram mais vivos e amendoados. Eram foscos. O rosto revelava a frieza de quem não se importava mais com nada ou com ninguém. Os lábios não sorriam o sorriso aberto e feliz.
“Quem lhe garante que não sou?”
Não entendia mais nada. Uma hora estava latejando vermelho, noutra era aprisionada pela imagem do caco de espelho. Sim, o espelho continuava ali. Mesmo que em cacos.
Não, não é. Definitivamente você não é a minha imagem.
“Pois posso muito bem ser a imagem que você gostaria que eu fosse. Ou até mesmo a imagem que quer que eu seja. Como também posso não ser a imagem que você gostaria que a revelasse.”
Imagem filosófica? Em que espelho teria perdido minha face? Não resisto a tantos pontos. De interrogação.
“Rá.-rá, rá! Toda imagem é isso: simples e pura filosofia. Reflexo do eu, do outro, de como nos vemos ou gostaríamos de ser vistos. E antes que se questione mais: sim, eu leio seus pensamentos.”
No berço daquela solidão que durava vinte meses e sete dias, confundia-se entre realidade e fantasia. Ela acreditava mesmo que tinha criado uma companhia metafísica.
“Embarque. Aperte o sinto e vá em busca do reflexo perdido. Não perca mais tempo. Essa é a hora.”
Revestiu-se de força. Aquilo já tinha durado tempo demais e ela não conseguira chegar a lugar nenhum. Quem sabe não era mesmo o momento de reescrever o passado ao invés de aprisionar-se em sua própria imagem do passado? O que foi, o que vivera, o que deixara de viver... tudo isso estava lá atrás. E a vida continuava aqui, bem na frente. Bem na sua frente. E não parava para esperar ninguém. Ela passava atropelando quem estivesse distraído, afinal o acaso não protegia ninguém.
A dor lhe trouxera revolta. A revolta lhe mascarara descrente, apática, cética e até mesmo inconveniente consigo mesmo e, muitas vezes, com os outros. Ao longo de cada dia foi criando um mundo onde não havia lugar para nada ou ninguém. Via tudo sempre às avessas. Tudo no lugar errado. Sempre com pessoas erradas e na hora errada.
A “imagem” talvez estivesse ali para tirar a sua máscara, jogar em sua cara as coisas que estava guardando para si, como num velho museu empoeirado de heranças que vinham sedimentando, fermentando o fel que já foi mel.
Então, ela embarcou no velho trem da vida. Urgia revelar as esfinges do amor que vivera. Não dava mais para sonhar acordada, procurando os olhos que se apagaram e não iluminavam mais sua vida. Seu desejo infindável era arrancar a esperança de voltar a viver o passado. Isso dilacerava seu coração pálido.
Nas voltas do trem, descobriu que o amor não é imortal. Um dia ele chega, mas noutro vai embora. Mas ela ficara. Isso era imutável. Isso restringia entre parênteses a sua vida e seus anseios. A essência daquele amor cessara. Sim, tinha chegado ao fim. Em seu coração poderiam viver as lembranças. Mas as lembranças não poderiam nortear sua vida.
Na última estação, chovia lágrimas em seu olhar. Seu luto não podia se estender mais, sob pena de complicar, de vez, todo o seu futuro e, o pior, tornar seu presente inexoravelmente sem cor.
Entendeu por fim que a paixão era inevitável. Entendeu que viver em paixão era vital. Saiu do espelho. Cortou-se. Pingaram algumas gotas de sangue (vermelho vivo). Percebeu que a dor é necessária para se viver, para se sentir e para (se) amar. A imagem que se refletia agora era a sua. Não estava pronta e acabada. Estava em erupção. Pronta pra jorrar lava flamejante. Em vermelho, de preferência.
Ela dizia à imagem refletida naquele pequeno fragmento de espelho. Naquele contexto irreal, parecia que a imagem travava uma conversa com ela.
“Lógico que não. Sou apenas uma imagem.”
Ah, sim. Mas não deveria ser a “minha” imagem? A imagem de mim?
Não se conformava com a imagem que via. Era totalmente o avesso do que era. Seus olhos não eram mais vivos e amendoados. Eram foscos. O rosto revelava a frieza de quem não se importava mais com nada ou com ninguém. Os lábios não sorriam o sorriso aberto e feliz.
“Quem lhe garante que não sou?”
Não entendia mais nada. Uma hora estava latejando vermelho, noutra era aprisionada pela imagem do caco de espelho. Sim, o espelho continuava ali. Mesmo que em cacos.
Não, não é. Definitivamente você não é a minha imagem.
“Pois posso muito bem ser a imagem que você gostaria que eu fosse. Ou até mesmo a imagem que quer que eu seja. Como também posso não ser a imagem que você gostaria que a revelasse.”
Imagem filosófica? Em que espelho teria perdido minha face? Não resisto a tantos pontos. De interrogação.
“Rá.-rá, rá! Toda imagem é isso: simples e pura filosofia. Reflexo do eu, do outro, de como nos vemos ou gostaríamos de ser vistos. E antes que se questione mais: sim, eu leio seus pensamentos.”
No berço daquela solidão que durava vinte meses e sete dias, confundia-se entre realidade e fantasia. Ela acreditava mesmo que tinha criado uma companhia metafísica.
“Embarque. Aperte o sinto e vá em busca do reflexo perdido. Não perca mais tempo. Essa é a hora.”
Revestiu-se de força. Aquilo já tinha durado tempo demais e ela não conseguira chegar a lugar nenhum. Quem sabe não era mesmo o momento de reescrever o passado ao invés de aprisionar-se em sua própria imagem do passado? O que foi, o que vivera, o que deixara de viver... tudo isso estava lá atrás. E a vida continuava aqui, bem na frente. Bem na sua frente. E não parava para esperar ninguém. Ela passava atropelando quem estivesse distraído, afinal o acaso não protegia ninguém.
A dor lhe trouxera revolta. A revolta lhe mascarara descrente, apática, cética e até mesmo inconveniente consigo mesmo e, muitas vezes, com os outros. Ao longo de cada dia foi criando um mundo onde não havia lugar para nada ou ninguém. Via tudo sempre às avessas. Tudo no lugar errado. Sempre com pessoas erradas e na hora errada.
A “imagem” talvez estivesse ali para tirar a sua máscara, jogar em sua cara as coisas que estava guardando para si, como num velho museu empoeirado de heranças que vinham sedimentando, fermentando o fel que já foi mel.
Então, ela embarcou no velho trem da vida. Urgia revelar as esfinges do amor que vivera. Não dava mais para sonhar acordada, procurando os olhos que se apagaram e não iluminavam mais sua vida. Seu desejo infindável era arrancar a esperança de voltar a viver o passado. Isso dilacerava seu coração pálido.
Nas voltas do trem, descobriu que o amor não é imortal. Um dia ele chega, mas noutro vai embora. Mas ela ficara. Isso era imutável. Isso restringia entre parênteses a sua vida e seus anseios. A essência daquele amor cessara. Sim, tinha chegado ao fim. Em seu coração poderiam viver as lembranças. Mas as lembranças não poderiam nortear sua vida.
Na última estação, chovia lágrimas em seu olhar. Seu luto não podia se estender mais, sob pena de complicar, de vez, todo o seu futuro e, o pior, tornar seu presente inexoravelmente sem cor.
Entendeu por fim que a paixão era inevitável. Entendeu que viver em paixão era vital. Saiu do espelho. Cortou-se. Pingaram algumas gotas de sangue (vermelho vivo). Percebeu que a dor é necessária para se viver, para se sentir e para (se) amar. A imagem que se refletia agora era a sua. Não estava pronta e acabada. Estava em erupção. Pronta pra jorrar lava flamejante. Em vermelho, de preferência.
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Pessoas lindas,
Para vocês, desejo uma semana intensamente linda e cheia de vida!
"Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata. "
Clarice Lispector
Beijos meus!
Ká