26/03/2008

Desconstrução

Por volta das dezessete horas chegou em casa. Descalçou-se. Jogou a bolsa no sofá. Olhou tudo ao redor. O vazio era seu companheiro fiel. Sem motivo aparente, sentia-se nervosa. Nada havia sido programado, marcado, mas sabia que era hoje.

Caminhou até o quarto. Tudo absolutamente estático. O silêncio transformava o monólogo em diálogo. Diálogo interior. Talvez o pior deles. Talvez o melhor.

Sem preliminares, olhou-se no espelho. Encontrou-se consigo mesmo. Tirou as roupas. Primeiro, as do corpo. Despia uma a uma e olhava-se ressabiada. Sentou-se. O que via era apenas mais um corpo como tantos outros. Marcado pelo tempo, marcado pelo amor, marcado pelos dissabores, marcado pela vida.

Aproximou-se mais. Aproveitou que estava só. Arrancou a máscara que lhe cobria o rosto. Assustou-se com tamanha afinidade com aquele rosto assim feio, assim cruel, assim amargo.

Olhou-se nos olhos. O vazio dos olhos, a falta de brilho a levou ao passado. Onde se perdera?

Pensou em desistir. Chegou a fechar os olhos, os da alma. Não era admissível se considerar assim. Relutante, abriu-os. A fome de se conhecer era maior. Desfez-se, então, da arrogância, sua marca primeira. Encheu-se de coragem. Era preciso encarar a falta de deslumbramento ao olhar para dentro de si.

Continuou o strip-tease pessoal. Despudorosamente, desabotou a pele. Com um medo extremo, vislumbrou seu coração. Ele pulsava. Não como antes. Seguia apenas o ritmo que era ordenado. E seu vermelho estava descorado, bem pálido.

O pior estava por vir. A última peça foi arrancada. Descobrira-se em sonambulismo profundo. Não vivia mais. Arrastava-se pela vida! As indeléveis experiências vividas a transformara num zumbi ambulante.

O orgulho tentou acordar-lhe daquele sonho lúcido. A falta de humildade fingiu-se indulgente com todas aquelas faltas. Traumas lhe fizeram chorar. Era um choro doído, sofrido. Amargurava ainda mais o coração. O torpor tomou-lhe conta das pernas. Tentava levantar. Quebrar o espelho. Mas estava amarrada. A agonia era sua prisão. Resignada à ‘nova’ realidade, permitiu-se dormir.

Tempos depois, o celular a despertou:
“Extravasa, libera e joga tudo pro ar. Eu quero é ser feliz antes de mais nada...”


Vestiu-se. Recomposta, tomou um banho demorado. Ao voltar para o quarto, esbarrou-se no espelho...
...não, não o quebrou. Seu lugar era ali. Sempre ali. Não era preciso fugir. O segredo era reencontrar-se. O necessário era enxergar-se em sua imperfeição e caminhar.
Seguir em frente. Tocar a vida... Como der. Como puder. Como vier. Sempre!


By Karine Leão
26/03/08
22:14


BEM-VINDOS(AS) ao Ponto K... e ao meu infinito particular.
Novo blog, novas idéias... novas formas de ver o mundo!