20/08/2008

Elizabeth Karine, muito prazer!


Em tempos de folclore, onde seres fantásticos e geniais povoam o imaginário popular, surge a idéia de falar da minha lenda pessoal. Vamos lá, então!


Diz a lenda que a quinta e última filha de um casal de mineiros seria agraciada com o nome duplo: Elizabeth Karine. Nascia em 1975, uma menina franzina, de olhos grandes sempre atentos a tudo e a todos. Sua missão aqui seria, acima de tudo, superar obstáculos em nome do amor.

A começar pelo nome, Elizabeth é aquela consagrada a DEUS e Karine significa aquela que é querida por todos. Amparada sob a proteção do céu e destinada a conquistar seu lugar ao sol e no coração das pessoas ela crescia.

O primeiro sacrifício pelo qual iria passar, seria ter que conviver com a precoce separação dos pais. Acostumada a ter a família reunida, a almoçar e jantar em torno de uma grande, porém, humilde mesa, essa fragmentação mexeu com seu coração infantil.

Logo depois, teve que engolir a ausência dos irmãos que um a um, iam seguindo seus próprios caminhos. Essa dor doeu forte e cruel, pois, os três irmãos supriam a falta do pai na cabeceira de sua vida.

Seguiu, tentando viver ao lado de sua irmã, entretanto por serem extremamente parecidas, duas leoas, a convivência não fora fácil. Xarás de primeiro nome, comparavam-se em todos os aspectos. A irmã, mais velha e mais astuta, aprendera tenramente que a vida massacra os fracos. Sobressaía-se em tudo, e, à caçula era delegado pagar o preço de não saber entregar ou magoar alguém.

Viu-se surpresa quando fora lhe apresentado um novo pai e uma nova vida, totalmente destituída dos valores que cultivava anteriormente. Cabe registrar aqui que ela amargara anos e anos chamando um ser que tinha o mais puro asco de pai. Muitas vezes, percebia-se entre a cruz e a espada. Não sabia que direção tomar.
Em quase todas as noites, precisava cantar baixinho e agarrar-se firmemente a DEUS, para despistar seus ouvidos dos sons promíscuos que lhe cercavam. DEUS, sua crença NELE sempre fora muito acentuada. Mesmo quando a vida lhe fechava portas, mesmo quando seu coração estava magoado com a vida, ela segurava-se nas Mãos do Onipotente e se fazia forte.

Bem mais tarde, percebera que a vocação de educadora, o amor aos livros e estudos salvou-lhe de tornar-se uma qualquer. Isso, ela deve, sem dúvidas, à sua mãe. A irmã fugira daquele ambiente, casando-se. Ela, porém por amor à mãe, fora obrigada a permanecer tão somente ali, embora seu coração ansiasse por outros horizontes bem mais azuis, nos quais passeava quando sonhava e escrevia.

Superando percalços, ela fora caminhando pela vida a fora até que uma dor descomunal e indescritível tomou conta de seus quatorze anos de vida. Sem se despedir, seu pai morrera. Ao vê-lo no caixão, tentava lembrar-se do pouco tempo em que conviveram, das palavras, do gentil filhinha que sempre ouvia de sua boca de homem alto, bonito, bem vestido e de envergadura imponente. Sentira-se demasiadamente triste nesse ínterim, pois não reconhecia o pai que vida lhe dera. Isso corroía a sua alma de menina moça. Fase em que a figura paterna é também essencial.

Durante a adolescência, encolheu-se na timidez e privou-se de virar borboleta. Preferira a segurança de ser lagarta enclausurada em seu casulo confortável. Não assumira o papel de protagonista, sempre em detrimento de amigas, muito embora, tivesse todos os méritos para isso. Somente era personagem principal da vida quando escrevia. Ah, nesses momentos era verdadeiramente livre. Sonhava, despojava-se dos andrajos que a escondiam e lutava bravamente acreditando que era possível tornar-se quem era de verdade. Nesse universo particular, o da escrita, seus mais inacreditáveis sonhos eram reais.

Ela, por ser essencialmente amor, precisava de amor. O afeto e o carinho sempre fizeram parte de sua natureza, tanto quanto o comer e o beber. Por isso, fizera ao longo da vida, bons e verdadeiros amigos, companheiros de caminhada que tornavam o pôr-do-sol ainda mais feliz, pois ela dividia seu mundo com as pessoas que amava e isso aprazia ao seu coração, fechando as lacunas abertas.

Aos dezessete anos tornara-se quase dona de sua vida. Mantinha-se sozinha. Destacava-se pela inteligência e criatividade. Era grande seu esforço em conquistar seu espaço. Algo meio inevitável já que ela se doava à Educação de corpo e alma. Sua esperança incorruptível e incontaminável não deixava murchar a certeza de que dias melhores viriam. E porque ela acreditava nisso, isso tornou-se sua realidade. Por mais difíceis que fossem seus objetivos, ela sempre encontrava uma maneira de superar os obstáculos. Enchia seu coração de perseverança e enfrentava os desafios e tudo concorria para seu sucesso. Em pouco tempo, tornou-se uma jovem, competente e reconhecida educadora.

O lado profissional se destacava amplamente, enquanto seu coração carente de afeto sonhava com o príncipe que lhe levaria por uma interminável viagem de paixões. Numa dessas curvas da vida, entre as pedras que precisava saltar, o brilho dos olhos cintilou mais. Não havia erro. Aos dezenove anos o verdadeiro amor chegara ao seu coração.

Nada mais faltava. Seus olhos viam-se em outros: puros, meigos, honestos, denotadamente másculos e sobretudo, fiéis. Todos os caminhos sempre desembocavam em seu coração guerreiro, sendo assim, ela mergulhou, sem hesitar no rio de paixões que corriam por sua vida. Naquele momento tornou-se mulher.

Tomara corajosamente a decisão mais feliz de sua vida. Desprender-se de sua mãezinha e casar-se com o homem de sua vida. Aceitou a felicidade que lhe era oferecida pelo destino, renunciou ao papel de lagarta e tornou-se uma bela borboleta, feliz, sorridente, confiante. Criou laços concretos e sólidos com o amado.
Seus olhos, infelizmente, não conseguiram perceber que aqueles instantes não seriam definitivos e sim, uma brisa extremamente gostosa, mas passageira que iria embora ao sabor do vento. Para era, que antagonizou o poeta, as nuvens eram feitas de algodão, a felicidade era para sempre, o amor, eterno...

Entusiasmada pela impressionante cumplicidade, embarcou no matrimônio, sem no entanto, esquecer sua vida profissional. Alavancou-se e produziu muito. Produziu com a matéria-prima que escrevera outrora. Transformou-se em co-autora da vida e metamorfoseou seus escritos em realidade. Seus sonhos, um a um, iam tornando-se acontecimentos reais.

Às vezes, ela lutava com quem amava, tanta era sua dedicação à sua paixão maior: a Educação. Essa luta não era negativa e jamais poderia ser considerada uma dificuldade para aquele amor fecundo e sincero. Cada vez mais e mais, ele, o amor, tornava-se firme como uma rocha e recheado de surpresas singelas que desconfiguravam a rotina do dia-a-dia.

Com ele, ela dançava na rua enquanto ia para o trabalho, ela via o mundo com olhos bons, falava de amor à primeira vista. Defendia suas idéias que até aquelas que pareciam ridículas. Com ele, ela não tinha medo algum de chorar mágoas antigas ou alegrar-se com novas descobertas. Com ele, ela permitia-se viver sem medo. O passado, as noites tristes ficaram adormecidas. Com ele, todas as loucuras e aventuras eram vividas, bem vividas.

Agradecida a DEUS, por viver momentos ímpares, ela sorria o sorriso confiante de quem ama: o sorriso de fé, de esperança e de amor. Trinômio indissociável que norteava sua estrada. Sua vida não era perfeita, mas aquele homem imperfeito dava-lhe forças e, sobretudo, coragem para enfrentar seus demônios.

Recebera daquele homem o presente mais precioso, o tesouro mais valoroso. Ele abrira mão de tudo, absolutamente TUDO, para lhe dar a ela um filho. Nunca sentira-se tão amada diante de tamanha prova de amor e desprendimento. Depois de uma gravidez dolorosa nasceu o rebento que fora acolhido por ambos como o fruto do mais sincero e fiel amor entre um homem e uma mulher que verdadeiramente se querem bem.

Não haveria sacrifício maior a ser vivido, era o que ela, em sua ingenuidade pensava. Seria eterno aquele sonho. Sequer imaginaria que poucos anos depois, ela veria em oito meses seu homem morrer, acabar-se pouco a pouco em seus braços. Canções dolorosas foram cantadas silenciosamente pelos lábios dela cada vez que a morte pedia licença e levava um pedaço do homem amado, que em meio à dor, era exemplo de abnegação, força e fé em DEUS.

Ele jamais perdera a esperança na VIDA mesmo quando essa lhe abandonava. Segundo ele, se a mulher que amava sorrisse, cada injeção, cada remédio, cada agulhada seria um néctar de amor que o deixava pleno, feliz e confiante de que felizes para sempre eles seriam.

Sem que ambos soubessem, a separação era inevitável e precipitava-se sobre eles. O infortúnio chegara no dia vinte de agosto de 2006. A dor física que tomava conta dele fez-lhe sucumbir numa hemorragia incontrolável que lhe tirou dos braços de Elizabeth Karine.

Para ele, cessara a dor.
Para ela, começara a dor maior.

Ao ter seu amor arrancado de seu seio, sua vida desabara em depressões, lágrimas e luto. Um mundo sombrio era encenado no palco daquela solidão. Fora abandonada por muitos. O que lhe causou revolta e tristeza. Tristeza e revolta. Tentou então, mostrar o pior de si. Escondeu a força interior atrás da agressividade, usada como defesa, diante das ameaças. Murmurou e murmurou contra DEUS. Discutia com ELE, incrédula com a Sua imparcialidade diante de seu sofrimento. Disfarçou o medo da solidão com um ar prepotente de independência. Desacreditou-se profissionalmente. Nem mesmo o trabalho que outrora lhe trazia prazer, animava-lhe a produzir.

Chegara a pensar na sua morte como solução para todos os problemas. Envergonhou-se muito por deixar a crueza da depressão dominar seus dias.

Não obstante, descobrira presenças importantes. Sua mãe, tornara-se amiga. Uma grata e feliz surpresa. A irmã, que estava muito e muito distante, em outro país, tornou-se uma verdadeira companhia, sempre presente nos momentos em que o desânimo curvava-lhe o corpo. O filho, muito amado, tornou-se a sua razão de abrir os olhos e entender que a vida é linda, e mesmo a morte, tem muito a ensinar.

Assim, ela entendeu que cada um tem seu próprio destino e a cada um cabe tornar-se sujeito ativo dos seus próprios passos. Pensando assim, ela resolvera não permitir mais que a roda viva a carregasse pra lá e pra cá. Ela não podia escorar-se nos outros para ser feliz. Ela não precisava andar com muletas. Ela podia caminhar sozinha. Podia até voar, se fosse isso que seu coração desejasse.

Enfim, após 730 dias de lembranças amargas, ela dera o primeiro passo em direção à sua liberdade. Aprendera a voar sozinha. Tornara-se mais bela porque voava sozinha. Tornara-se mais forte porque suas asas sobrevoavam sua vida e ela podia ir para onde quisesse. Podia mergulhar no infinito e encontrar sua paz.

Despiu-se do luto e assumiu por inteiro sua Lenda Pessoal. Retomou a fé em DEUS, pois sabia que ELE conhecia todas as possibilidades diante de todas as impossibilidades humanas. Debelou a tristeza e despediu-se do passado.

Sabia que sua missão era amar. Já tinha se dado tempo suficiente para sofrer. A posição passível de leitora de sua própria vida findara-se. A caneta em sua mão não teria a limitação de colocar um ponto final em sua história, apetecia-lhe mais as reticências, as exclamações, vírgulas e por que não, as interrogações.

O Universo não julga: conspira a favor do que desejamos. Por isso mesmo, ela olhara para dentro de sua alma, descobrira e deixara sair sua vontade de viver e seu desejo incontrolável de AMAR NOVAMENTE.

Amar a Vida. Amar a DEUS. Amar a Si. Amar o Próximo. Amar os Seus. Amar o Amor!


***


Amigos(as), perdoem-me os erros. O post foi escrito no calor da emoção.


Beijo Karinhoso,


13/08/2008

Prêmio Dardos


Pessoas Lindas,


Fiquei muito feliz com o belo presente que recebi da Andréa Motta: o "Prêmio Dardos". Agradeço-lhe de coração pelo carinho comigo e com esse humilde espaço que existe exatamente para alegrar meu coração, trocar idéias e acrescer meu mundo de amigos.


"Com o Prêmio Dardos, se reconhecem os valores que cada blogueiro mostra cada dia em seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc..., que em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras."


O Prêmio Dardos tem certas regras:

1. Aceitar exibir a distinta imagem.

2. Linkar o blog do qual recebeu o prêmio.

3. Escolher 15 blogs para entregar o Prêmio Dardos".


Então para compartilhar esse prêmio comigo, escolhi amigos(as) MUITO ESPECIAIS (amigos(as) de velha data, atuais e promissores):


São eles(as):


DORA VILELA - Pretensos Colóquios

FABI - Quase Trinta
SÔNIA - Pérolas de Pérola

AUTOR - Confissões a Esmo

CLECIA - Meu Mar Azul

TATI - Veleidade
MÁRCIA - A Vida é como uma Rosa

SHI - Putitanga

JANAÍNA - Alfarrábio

CRYS - Jardim de Letras

MIGUEL - Prosa e Verso

EUZA - Loba

JENS - Toca do Jens

EDU - Casado(i)s

SILVIO AFONSO - Prosa e Verso na foto

PATRÍCIA GOMES - Alma do meu sonho

DÉBORA BELLENTANI - Escritora Caipira, um dedo de Prosa

ANINHA, PRI, MÁRCIA, SHU, RÊ, GGEL, CAROL, KÁTIA - 7 x 7


***


Abaixo, a derradeira parte do meu conto.


Meu beijo muito Karinhoso a todos!




***

LUCIDEZ


A pesadíssima embriaguez turvava ainda mais sua visão que se confundia com lágrimas que cortavam aquela face bonita mais do que uma faca bem afiada. Voltava da balada. Música bacana. Ambiente bacana. Pessoas “bacanas”. Tudo deveria, teoricamente, estar bacana... mas, seu coração estava dilacerado. Machucado, ferido por demais. Por todos e, principalmente por ela mesma.

As mãos mantinham-se firmes na direção. Os pés aceleravam até o ponto em que seu bom senso (se é que ainda tinha algum) ordenava. Nos lábios, só xingamentos. Palavras tortas. Palavras feias. Palavras vis. Não acreditava que tinha vivido tudo aquilo. Não acreditava que tinha se submetido a tal situação. Não acreditava que tinha chegado ao fundo do fundo do poço.

Cansada, não de dançar, mas de sofrer. Cansada, não da balada, mas da forma como se deixava embalar. Cansada da maquiagem pesada que não conseguia esconder a dor dos seus olhos. Cansada de se enganar. De fantasiar a ilusória de que tudo seria como antes: romântico, feliz, pleno. Cansada, muito cansada, encontrou finalmente a garagem do prédio. Sem saber como, estacionou. Faróis desligados, depositou o rosto choroso sob o colo. Alguns minutos depois, recostou-se então no banco, procurando conforto. Um suspiro de imensa insatisfação saiu de seus lábios.

Seus olhos encontraram o céu. Algumas estrelas cintilavam na madrugada cálida. Quem a vida pensava que era? Quem lhe dera tanto poder assim para lhe dizer tudo aquilo? Que tipo de arrogância era essa que jogara-lhe na cara o que ela não queria ouvir? Descera do carro. Caminhava a esmo. Passos atarantados levaram-lhe até seu apartamento. Livrou-se dos sapatos. Deixou seu corpo cair no sofá. Abraçou-se a uma almofada. Chorou copiosamente.

Levantou-se. Foi para o quarto. Livrou-se das roupas. Sentou-se frente ao computador. Pôs-se a escrever. Uma procissão de palavras desacertadas caminhavam entre seus dedos e a tela do micro. Era preciso ordenar as idéias. Era necessário encontrar-se naquele tufão de pensamentos atordoados. No fundo, a vida lhe dera mais uma chance de re-escrever aquela história. A sua história. A vida lhe mostrava a raiz das coisas. Isso lhe causava perplexidade.

Por caminhos fantasiados, caíra num destino inventado. Isso lhe era muito cômodo. E durante toda a sua vida, procurara a comodidade de estar segura num mundinho trancado e feliz. Numa redoma intocável que infelizmente (ou não) quebrara e lhe colocara frente a frente com o mundo real, com verdades, às vezes, sensatas, às vezes, cruéis e, outras tantas vezes, apenas verdades indispensáveis.

Incapaz de continuar a escrever, deixou-se ficar parada, imóvel, jogada naquela cadeira. Impossível precisar o tempo em que ela ficou ali. O corpo em silêncio, porém os pensamentos invisíveis saltavam barulhentos e faziam piruetas dentro daquela cabeça que buscava apenas entender e, sobretudo, aceitar aquela ausência inadmissível, intocável, inassimilável e instransponível... dentro daquela cabeça, era importante compreender que a vida é uma constante, e, que não pára e não fala mansinho, muito menos enxuga as lágrimas das pessoas... dentro daquela cabeça era essencial aceitar e aprender a conviver com as novas presenças que lhe eram impostas... dentro daquela cabeça era vital necrosar definitivamente o passado.

Aprumou-se ainda pálida. Uma expressão de rosto ressurgia ainda incerta e incompreensível. Talvez ela já tivesse entendido. Talvez ainda fosse preciso mais e mais reflexão.

Um mal-estar apoderou-se de seu corpo. Começou a se sentir incomodada com a resposta do seu organismo à grande quantidade de álcool ingerida. Uma ânsia percorreu suas entranhas. Vomitou então suas tristezas e angustias, sua raiva e seu medo, vomitou tudo aquilo que, por tempos e tempos, lhe sufocava.

Fora tão grande seu esforço... fora tão intenso seu vômito... que ali adormecera...

Sonhou. Sua urgência era ser entupida com a presença de quem se foi. Ter de novo, o amor de sua vida, sua carne, seu osso, seu nome, sua voz... Gritou aos quatro ventos. Urrou pelas trevas daquela ausência sem fim. Buscou a noite que a nutria de insônia. Esqueceu todos os conselhos e seguiu por caminhos escuros. Passeou pelos desacertos de estranhos desertos.

Ignorou todas as regras. Puniu-se sem piedade. As armadilhas da vida lhe pegaram. Prenderam-na dentro do espelho. Não cabia mais em si. Ela transformou-se em muitas almas desorientadas. A criança. A filha. A irmã. A amiga. A prima. A menina. A moça. A mulher. A mãe. A esposa, a viúva...

Encostou sua face com a face do escuro. O medo regia seus atos. Estava abandonada, desordenadamente jogada a sua própria sorte. Presa dentro de si. Seus dedos procuravam a saída. Um mar de lamentações e remorsos fizeram seu coração mitigar suas dores sem curar a causa mãe de tudo. Os reflexos dentro do espelho eram imprecisos. Lutava corpo a corpo consigo mesma. Com suas várias faces.

Um silêncio invadiu o espelho. Nada mais era ouvido. Nem um sussurro. Nem o barulho do vento. Nem a própria respiração. De repente, uma vozinha mansa começou a falar baixinho. Era a voz perenizada de sua consciência. Meticulosamente, sua consciência conseguiu fazer uma mixagem de diálogos vividos. A pressão dentro do espelho era maior do que se podia agüentar. Um estrondo e tudo voou pelos ares. Não restara pó sob pó.

O mito perigoso que induzia seu pensamento e norteava seu comportamento fora destruído. E junto com ele o medo de viver. A insegurança de se assumir enquanto mulher dona de seu próprio nariz. Dona de sua própria vida. A anistia tão esperada chegara ao coração dela. Era a despedida de si.

04/08/2008

Despedida


E ela volta a escrever no plágio a Lispector procurando entender, buscando reproduzir aquilo para o qual não há reprodução, tentando sentir até o último fim o sentimento que permanece (até quando?) vago e sufocador...

Chegou em casa, mais uma vez... sua rotina dos últimos meses era mescla de alto e baixo astral. (Não é essa a mesma rotina do resto dos mortais?)

Num dia, era puro êxtase, brincava com a noite, dançava de mãos juntas com a vida, brindava com a alegria efêmera, embriagava-se no torpor que lhe causava a sensação de que o mundo podia acabar-se lá fora... ela queria apenas festa... vida, em seu coração. Nesses momentos, se alguém conhecido a visse, certamente jamais imaginaria que a máscara social estava sendo ali usada para que assim pudesse atravessar os dias sorrindo...

Noutro dia, (ah, como seria bom se só houvessem dias de sol...) a briga interna era uma tortura. Seu corpo só queria cama (não no sentido bíblico) só queria dormir, tomar algo que levasse ao passado, (como é difícil dribá-lo e esquecê-lo! Será impossível?). Classificava tais dias como dias de solidão dos silêncios imensos, onde a alma ficava hipersensível e aberta a todas as vibrações, tudo lhe fazia sofrer, qualquer palavra podia ser mal interpretada e causar um mal estar tremendo.

Os sentimentos correm dos dois lados, intensos e desarvorados. Ora alegria. Ora tristeza. Ora euforia. Ora melancolia. Ora isso... ora aquilo... o que incomodava à ela era a intensidade. Tanto a tristeza era descomunal como a alegria gigantesca. Coisas boas e ruins acontecem a todos indistintamente e, o grande objetivo dela era entender e conviver com isso.

Sua lucidez era louca, a inconstância permanente, a inquietude envolvia a sua comodidade. Pintava a realidade com alguns sonhos água com açúcar, alguns transformavam-se em cenas concretas.

Apenas uma amiga decifrava suas lágrimas. Algumas vezes, chorava lágrimas que desabrochavam em sorrisos, outras, chorava pra valer sem derramar uma única gota de lágrima.

Sempre amou mais do que podia, e, claro, por medo, menos do que a capacidade do seu coração. Uma característica marcante é a entrega. Ela sempre se entrega e se atira de cabeça, contudo, quando recua jamais volta atrás, mesmo quando percebia que o erro podia ter sido seu.

Autêntica, mesmo que sua franqueza causasse mal estar. Ela sempre fora solícita aos apêlos do seu coração, porque para ela, nada podia ser mais fiel que ele. E por isso, mesmo... seu coração agora lhe aconselhava à liberdade total e irrestrita. Nada dessa história de colocar um amor para curar o outro. Isso podia funcionar na ficção ou na vida dos outros, na dela, nunca dera certo.

O momento pedia uma despedida. Uma grande despedida. Despedida do passado. Despedida do amor que passou. Despedida da pessoa que era enquanto vivia o amor passado. Precisava urgentemente, arrematar a aquela história (linda) dentro de si.

Não havia mais espaço em seu coração para as lembranças ou as saudades. Seu coração precisa desconstruir-se, re-descobrir-se, deixando as sombras do passado no passado.

Outro tempo descortinava-se para ela. Se seria bom ou ruim, não podia responder. Não, agora. Entretanto, precisava ser vivido intensamente.

Marcara a data e a hora para se libertar do passado. Não pedira licença à vida para isso. Apenas decidira e pronto: meia noite e quarenta e cinco minutos do dia vinte de Agosto de 2008.

Esse era o dia. Essa era a hora. A hora da despedida de si mesmo.