“Amar os outros é a única
salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes
receber amor em troca [...].”
Depois de tudo que vivera,
sofrera e chorara, o riso fácil voltara. Junto com ele, o amor pulsava dentro
do coração nada pálido que batia descompassado.
Sonho. Magia. Paixão.
Intensidade. Tudo que a ela mais agradava. Sobressaltos ternos a tiravam do
emaranhado burocrático da vida real. O calor
percorria seu corpo e vibrava em seu peito.
Tudo perfeito. Tudo
divinamente perfeito.
Mas, nos entretantos da
estrada, havia um ponto de interrogação. Tanta felicidade seria possível a um
ser imperfeito e inacabado como ela? O
céu não era mais de outono. Era céu de inverno. O azul não era mais tão azul.
Mais uma vez, ela era posta à prova, interpelada pelo semovente da vida.
Constitucionalmente, lhe era
assegurado o direito à felicidade. Contudo, socialmente lhe era cobrado e,
caro, por ser feliz. Os outros e ela mesma se fazia tal cobrança insana.
Sair da magia e alcançar o
patamar de vida real. Tirar a maquiagem, estar de cara limpa, dar à cara à tapa
e ao amor não é tarefa simples. Equilibrar-se entre o ideal e o real exige um
esforço enorme. Conseguir enxergar que na vida real existe imperfeição e nada é
como nos sonhos é uma missão ingrata.
Era um daqueles anos
desabrigados pelo qual ela passando. Ter o amor como presente, além de parecer
irreal, assemelhava-se à uma das peças que a vida gostava de lhe pregar:
entregando-lhe um precioso bem para depois furtar-lhe num repente.
Pensando em não deixar-se
afogar nas afrontas da vida, começou, como de costume, a mostrar sua face
defensiva. Ao sentir-se acuada, acabava magoando os outros. A explicação é bem simples: antes que
a vida lhe fizesse sofrer, ela mesmo, prontamente, se fazia autora desse
sofrimento. Auto defesa que poderia facilmente ser sinônimo de auto e alta
flagelação.
Todavia, o brilho dos olhos
dele e, principalmente, a voz, ao mesmo tempo doce e firme ,lhe fizeram ouvir o
que a alma falava: tudo é passível de mudança, as pessoas se transformam todo o
tempo e o tempo todo. Impedir a própria felicidade é tolice, é deixar que algo
menor tome o lugar de algo maior, mais importante, mais bonito. Isso não tem
força de lei, portanto pode e deve ser revogado.
Ela, então, abriu os
ouvidos, todos eles. Principalmente os da alma para ouvir e sentir o que era
melhor. O melhor era viver intensamente cada momento ao lado dele. Sentir o
amor e deixá-lo crescer, criar raízes e frutificar. Enfim, era mister que ela
se reconciliasse com o processo da vida, para segurar forte aquela mão especial
e permitir-se ser vista em sua face mais meiga e doce, sua real natureza. Não
era preciso ser leoa, se auto defender o tempo todo, ele estava no mesmo time,
pronto para lhe passar a bola para o melhor e maior de todos os gols: o amor
dos dois!
Relaxar era a palavra de
ordem. Nãos e precipitar. Deixar o tempo ninar os sonhos a dois. Tocar o barco
segurando firme no leme. Confiar na segurança da mão intercalada à sua.
Respirar o afeto que os circundava. Inebriar-se na sintonia formidável com a
qual ambos foram brindados.
Sim, era possível se
transformar em paz, viver a paz e trazê-la sempre junto consigo. Ainda que as
dificuldades existam, é bom enxergar a margem florida da estrada. Sentir o frio
do inverno e aquecer-se por inteira no calor de cada momento vivido ao lado
dele, afinal “só que é morto não muda!”
A alegria está em ser salva
pelo amor, sem o qual a vida não vale a pena. A alegria não está em explicar o amor, mas em apenas e simplesmente vivê-lo.
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